Resenha — Histórias horríveis do Serviço Social: cumplicidade e resistência

Menino e menina usando os uniformes das “colônias infantis” no período da ditadura militar na Grécia, após terem sido retirados da convivência das suas famílias (Metaxas Project)
O artigo “Histórias horríveis do Serviço Social: cumplicidade e resistência” foi escrito originalmente por Iain Ferguson, Vasilios Ioakimidis e Michael Lavalette como capítulo 4 do livro “Global Social Work in a political context: radical perspectives”. A Praia Vermelha publicou o texto em 2019 com tradução e comentários de Charles Toniolo.
A proposta do autor é refletir sobre os períodos nos quais os assistentes sociais se envolveram em práticas abomináveis que reforçaram a opressão e a exploração, ajudando a manter o poder nas mãos dos poderosos. O intuito não é o de apontar o dedo para a profissão, mas de lembrar que ela pode, sim, ser convocada para servir a objetivos que ferem seus princípios éticos.
Toniolo começa a tradução apresentando brevemente seu ponto de vista, suas motivações para traduzir a obra e sinaliza alguns pontos específicos que gostaria que os leitores tivessem em mente e refletissem durante a leitura, são eles os principais:
- As possíveis semelhanças no papel realizado pelas associações profissionais de Serviço Social em regimes totalitários, dando ênfase para a comparação e recordação da função desses profissionais durante a Ditadura Militar brasileira, além de buscar observar as correlações na formação dos assistentes sociais europeus e como isso refletiu no surgimento do Serviço Social nos países latino-americanos;
- O conceito de “neutralidade profissional” e o que essa falta de posicionamento pode gerar em determinadas conjunturas políticas; as consequências políticas e sociais na propagação de discursos nacionalistas, tanto no passado e nos países europeus como no Brasil atual;
- O foco dado pelos regimes fascistas a construção de um ideal de família, as funções da mulher dentro a sociedade e quem é considerado “adequado” e as semelhanças contidas nos discursos proferidos hoje no país.
A publicação do artigo pela Praia Vermelha em 2019 levou em conta o contexto brasileiro daquele momento. O resultado das eleições deixou inúmeras pessoas alarmadas com os discursos que estavam sendo proferidos e com os retrocessos sociais que seriam confirmados logo em seguida.
Referindo-se à Alemanha nazista, passando pela Espanha durante o período Franco, pela Grécia dos anos 1950, até o Canadá, Austrália e Dinamarca durante a fase colonial e pela Grã-Bretanha, o autor expõe vários casos nos quais assistentes sociais agiram contra os valores da própria profissão e a favor da manutenção do poder hegemônico nos respectivos países.
O Serviço Social foi usado nestes exemplos como uma ferramenta de controle e dominação, disfarçada de apoio e mediador das relações sociais, perpetuando as hierarquias de poder, impedindo que houvesse uma mudança das instituições socioculturais. Em casos mais extremos, o artigo cita exemplos de profissionais contribuindo para suprimir ativistas pró-democracia, incentivando sequestros de bebês e esterilização forçada.
Quando a conjuntura política se mostra favorável a retrocessos sociais e desrespeito aos direitos humanos, ficamos em terreno fértil para o surgimento de abusos em toda ordem. Isto não é exclusivo do Serviço Social. Recentemente testemunhamos o caso da juíza que impediu uma criança de 10 anos de ter acesso ao aborto legal. Podemos também lembrar das situações em que o jornalismo comprometeu a verdade em nome da audiência.
Pensando, então, na crítica em relação a práticas profissionais antiéticas, sem descredibilizar a profissão em momento algum, o artigo se torna material indispensável para refletir a respeito de como valores e ideologias pessoais podem interferir na atuação profissional, indo contra, inclusive, aos valores e princípios expressos no Código de Ética Profissional.
São inúmeros paralelos que podem ser traçados entre a realidade social brasileira atual e as histórias narradas no artigo, demonstrando a facilidade que há para que a ética profissional seja suprimida por algumas pessoas quando a conjuntura social se mostra mais polarizada, em especial quando representantes políticos se portam de forma a incentivar que determinados grupos sociais sejam oprimidos. Então precisamos sempre observar até onde essa dita neutralidade interfere na manutenção de direitos básicos e no respeito à ética da profissão.
Por Maria Clara Tavares Rodrigues e Yasmin de Farias da Silva
Estudantes extensionistas do Projeto Conexão Praia Vermelha.
Artigo científico associado
Saiba mais acessando o artigo "Histórias horríveis do Serviço Social: cumplicidade e resistência", publicado na Revista Praia Vermelha v.29 n.2 (2019).